ALUVIÃO
(setembro 2025)

Sobre o livro
As formas que a vida assume às margens do rio São Francisco são a matéria-prima dos poemas de ALUVIÃO, livro de estreia de davi de jesus do nascimento, jovem artista plástico norte-mineiro. Criado numa família de pescadores, lavadeiras e carranqueiros, ele tece memória e imaginação para nos levar ao território em que suas palavras nascem: “lá não é minas. é gerais. um sol para cada pessoa e peixeira debaixo do colchão”.
É nesse pedaço do mundo, redemoinho de afetos e arestas, que o poeta se forma, lá onde viver é sempre sobreviver e tudo depende da força do rio, que é generoso para fornecer a subsistência, mas também pode ser o destino último de todos os sonhos.
É também nos barrancos do Velho Chico que ele se enreda no luto pela mãe: “ela é o rio. ela é o mar agridoce. ela é a esteira das frutas. o quintal dela é minha língua”. Como um fio (ou rio) que atravessa e une as diversas faces de ALUVIÃO, a morte da mãe (“nunca vão entender o que foi ela, a barranqueira”) é capaz de mudar o sentido de tudo que vive e do que já foi vivido, como uma presença que, abandonando o corpo individual, se multiplica em cada pequeno detalhe ao redor: a maneira de falar e de ouvir, de trabalhar e de comer, de rezar e de dormir, tudo tem o rosto e o “mel” da mãe.
Imerso nesse amor, o poeta cria ALUVIÃO como as pessoas ali fazem as coisas que dão sentido aos seus dias: tecer redes ou esculpir carrancas, pescar ou lavar roupas. “A minha língua é extensão das que sempre foram regadas com caldo de cabeça de peixe.”
Este livro é parte da caixa de setembro 2025
- título ALUVIÃO
- autor davi de jesus do nascimento
- Páginas 120
- ISBN 9786561390880
- Formato 13,5 x 20 cm
Trecho
mãe, hoje me deram uma cagaita podre. e dentro aqui
— do redemoinho — começaram a remedar nosso
sotaque com cinismo. tudo quanto é sol tem perseguido
o andado da carcaça de sapo que guardo com tanto
chamego na gaveta das carniças. tenho usado sua tábua
de carne para abanar o verão de minhas firmezas. ainda
estou peixe, num precisa preocupar com isso não, viu?
o peso de carregar o rio nas costas bebe da nascente dos
primeiros sóis que chorei na vida.