Caixa de abril
Na caixa de abril, os assinantes recebem o livro A extração dos dias: poesia 1984-2005, que reúne os cinco primeiros livros de poesia de Claudia Roquette-Pinto. Nas páginas de Os dias gagos (1991), Saxífraga (1993), Zona de sombra (1997), Corola (2000) e Margem de manobra (2005), bem como nos poemas inéditos ao final do volume, o leitor encontra uma poeta que absorveu o que há de mais intenso e sofisticado na poesia brasileira do século XX, capaz de apresentar o mundo ao redor como um jardim em que desvenda os segredos da vida, do amor, do tempo e da morte — sempre à flor da pele, e vice-versa. Também vai na caixinha a plaquete Dois carcarás, de Leandro Durazzo, cujas páginas estão repletas de bichos que nos visitam sem pressa. Carcarás, muriçocas, gatas, escorpiões, iguanas… que vêm para ficar — e seu jeito de ficar é nos fazer ver que “a vida é uma”. Quem nos acompanha nessa jornada é uma voz calma, sem espanto, que se descobre tão “selvagem” quanto a fauna que flagra em seus versos curtos: “animal/ nas ranhuras do tempo,/ eu me arrasto// nem garras, nem gana,/nem penas:/ fado// e um certo medo/ que toda vida extingue”.
Livro de abril
Autor
Claudia Roquette-Pinto
Claudia Roquette-Pinto vem desenhando, desde os anos 1980, um dos percursos mais admiráveis da poesia brasileira. Ao lançar o recente Alma corsária (Editora 34, 2022), finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos, a poeta saciou os leitores que acompanhavam sua obra e aguardavam ansiosamente (por quase duas décadas) os seus próximos passos, mas também despertou a curiosidade de uma nova geração de interessados pelos volumes de poesia — já raríssimos — que ela publicou anteriormente.
É esse conjunto — com os cinco primeiros livros da autora e uma seleta de poemas inéditos, escritos no início de sua produção poética — que o Círculo de Poemas tem a alegria de apresentar em A extração dos dias: poesia 1984-2005. O volume reúne os títulos Os dias gagos (1991), Saxífraga (1993), Zona de sombra (1997), Corola (2000), vencedor do prêmio Jabuti, e Margem de manobra (2005), em edição revista pela autora e organizada por Gustavo Silveira Ribeiro, professor de literatura da ufmg, que também assina o posfácio.
Esses livros nos colocam diante de uma poeta que absorveu o que há de mais intenso e sofisticado na poesia brasileira do século xx, em suas diversas gerações (destacando os nomes de Bandeira, Drummond, Adélia Prado e Ana Cristina Cesar), e soube tecer a si própria no diálogo com as artes plásticas, com um olhar plástico para o mundo ao redor, capaz de desvendar os segredos da vida, do amor, do tempo e da morte nas muitas flores (no “bulbo das suas vogais”) espalhadas por essas páginas.
Nos poemas inéditos incluídos ao fim do volume, o olhar da poeta recorta a paisagem para caber em quadros — e, a partir do detalhe, explodir na cabeça de quem vê/lê. Estamos entre flores, mas a linguagem é atravessada por uma violência que se insinua em tudo, que (nos) transforma e talha. Atenta aos insetos, mas também às raízes e ao “que morre/ por dentro daquilo que brota”, a poesia de Roquette-Pinto é assim: sempre à flor da pele — e vice-versa.

Plaquete de abril
Autor
Leandro Durazzo
Nos versos de Leandro Durazzo, em Dois carcarás, uma fauna discreta dança à volta do leitor: passeiam pelas páginas os carcarás do título, mas também cabras, morcegos, muriçocas, gatas, escorpiões, libélulas, iguanas, pombas, aranhas, arapuás, beija-flores. Os bichos estão por todos os lados e, de repente, a casa está irremediavelmente aberta: a casa é o mundo. Faz-se mundo. E é muito frágil qualquer linha que tentemos traçar, aqui, entre natureza e civilização: “por meus livros já passaram/ lesmas, formigas, moscas,/ vespas e traças: há toda uma cultura/ em seus trajetos, toda uma/ literatura”.
É uma voz calma, sem espanto, que nos fala nesses versos curtos, enquanto se descobre tão “selvagem” quanto suas pequenas visitas, que não têm pressa. Parecem ter vindo para ficar — e seu jeito de ficar é nos fazer ver que “a vida é uma”. Já não é possível reconhecer fronteiras: “meu sangue,/ que a muriçoca guarda,/ será meu/ ou da muriçoca?”.
Os poemas de Durazzo flagram cenas independentes, pequenos flashes da vida selvagem entrando por todos os poros do dia, mas estão profundamente conectados, como as fotos tiradas numa mesma viagem — todas únicas, mas inseparáveis —, que devolvem a experiência num outro tempo à memória. E quem nos guia (e desvia) por esses caminhos é alguém que já não pode mais se reconhecer senão como um bicho entre os outros: “animal/ nas ranhuras do tempo,/ eu me arrasto// nem garras, nem gana,/ nem penas:/ fado// e um certo medo/ que toda vida extingue”.
