Soneto, a exceção à regra
(setembro 2024)


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Sobre a plaquete

Quem já cantou e se emocionou com os versos “Amor é um fogo que arde sem se ver;/ É ferida que dói e não se sente”, popularizados na voz de Renato Russo, do Legião Urbana, talvez não saiba que essas palavras abrem um soneto de Luís de Camões, escrito há quase cinco séculos. E poucos sabem que esses versos perfeitos, que colam na memória, são decassílabos e que o poeta calculou a função de cada sílaba para que pudéssemos sentir, para sempre, a emoção que o levou a escrever essas palavras apaixonadas.

Em Soneto, a exceção à regra, dois grandes poetas, tradutores e estudiosos das formas poéticas se reuniram para esmiuçar a máquina do poema, revelando os segredos escondidos em cada detalhe. André Capilé e Paulo Henriques Britto escolheram catorze sonetos de poetas brasileiros, de diferentes gerações e linhagens — Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Mário de Andrade, Vinicius de Moraes, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, Sosígenes Costa, Mário Faustino, Hilda Hilst, Maria Lúcia Alvim, Glauco Mattoso, Augusto de Campos e Guilherme Gontijo Flores —, para exemplificar as inúmeras possibilidades de escrita a partir do domínio e do jogo com as regras recebidas da tradição.

Por trás do vocabulário árduo da teoria poética — versos heroicos e sáficos, martelos-agalopados, pentâmetros iâmbicos! —, o que há é uma forma muito divertida, inteligente e proveitosa de ver os sentidos das palavras se multiplicarem e nos tocarem ainda mais. Nestas breves páginas, há duas plaquetes em uma: numa primeira camada, uma incrível antologia de poemas que, por si só, são um banquete e uma lição de poesia; e, em outra camada, um convite para navegar com outras bússolas por esses mares.



Esta plaquete é parte da caixa de setembro 2024

Trecho

Oficina irritada

 

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

 

Carlos Drummond de Andrade

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