Palavra nenhuma
(junho 2024)


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Sobre a plaquete

“A gente só se afoga quando perde/ a calma” — a voz que recupera essas palavras, ditas num mergulho no mar há muitos anos, é a de uma poeta que acaba de perder o pai e se vê à deriva entre as memórias e sensações que lhe atravessam. Lilian Sais, em Palavra nenhuma, escreve como quem procura se reorientar dentro de si após o baque da despedida. Para lidar com a morte, ela volta ao próprio nascimento, o momento em que o pai lhe deu um nome que termina com “n de navio”. Embarcar nesse vínculo profundo com o pai é o início de uma jornada de afetos em que ela tenta reencontrar e reconstruir a memória da relação entre eles.

Para se orientar, Lilian recupera os presentes que ganhou do pai e conversa com eles ou, por meio deles, com ele, Roberto. Feitos para ajudar a localizar onde estamos no tempo e no espaço — uma ampulheta, um telescópio, uma bússola, um relógio —, agora eles são os instrumentos de aproximação entre o universo perplexo do luto e aquele em que a poeta nasceu, o lugar no qual o pai ficou enquanto Lilian cresceu (aprendeu a nadar sozinha, viajar por aí, ler grego antigo) e ao qual a poeta precisa voltar para encontrá-lo — encontrar-se, no fundo. E não afundar.

A vida não pode ter terminado assim: “palavra nenhuma” que cai como um grão de areia entre tantos que caem na ampulheta. Diante da atendente da funerária, para quem “não tem nada pior/ que uma unha partida”, a poeta tem que responder se o falecido deixa filhos: “eu digo sim/ eu digo eu”. E, assim, no ponto em que a história poderia terminar, ela recomeça. Esses versos que dizem tanto com tão pouco, atando as pontas da vida para manter por perto o que ama, ensinam que é preciso reencontrar esse “eu”, perdido numa “casa/ [em que] nunca falávamos/ das perdas”, sem “palavras/ ditas por inteiro”, agarrando-se a elas como tábua de salvação.



Esta plaquete é parte da caixa de junho 2024
  • título Palavra nenhuma
  • autor Lilian Sais
  • Formato 13,5 x 20
  • ISBN 9786584574915

Trecho

há dois dias perdi
meu pai não como
quem perde
um isqueiro embora
perder um isqueiro
diante da paixão
dos fumantes
tenha lá a sua
literatura perdi
meu pai não como
quem perde
um braço uma perna
no espelho esses
estão lá ainda que
realmente parados
enquanto os dias
se movem sem pausa
ou descanso perdi
meu pai como
quem perde a quebra
o ritmo um tom
de voz um jeito
de tocar
a pele um cheiro
de não voltar
nunca

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