Caixas

Caixa – Junho 2024


Sobre a caixa

A caixa do mês inclui o livro Quadril & Queda, de Bianca Gonçalves, reunindo poemas que se articulam com a força e a beleza de um corpo que se ergue e dança, encanta e luta, o corpo de uma mulher que, cabeça erguida (dizendo não) e senhora da própria cintura, avança enquanto balança: “meu ventre pra frente e/ pra trás pra frente e/ pra trás: o ocidente inteiro/ em derrocada”. Também vai na caixinha a plaquete Palavra nenhuma, da premiada poeta Lilian Sais, cujos versos reconstroem uma história viva e bonita que estava soterrada sob “palavras [nunca] ditas por inteiro”, guardada na gaveta em que os presentes recebidos do pai ficaram calados até sua morte: uma ampulheta, um telescópio, uma bússola e um relógio que servem para nos orientar no tempo e no espaço, mas também para lembrar que os amores podem e devem ser mantidos — vivos — por perto.

Produtos da caixa

De um livro de poemas escrito com o corpo todo, como este Quadril & Queda, de Bianca Gonçalves, não se deve deixar escapar nenhum detalhe. Qualquer deslize pode quebrar o ritmo a que a poeta nos convida. Desde a epígrafe de Harmony Holiday (“Reparations begin in the body”), que não deixa dúvida de sua vocação política, passando pela dedicatória às “meninas que dançavam escondido” (reparem que o verbo aponta para o passado e, assim, atiça o presente), este livro se articula com o vigor e a beleza de um corpo que se ergue e dança, encanta e luta.

É desse corpo — “com pesos, grooves, curvas, swings, bounces e circularidades”, como nota Adnã Ionara no texto de orelha — que se projeta uma voz cuja força impressionante é da mesma natureza da liberdade e da altivez que se descobrem e afirmam entre passinhos e diplomas. A menina, cada vez menos menina, fala alto: “meu ventre pra frente e/ pra trás pra frente e/ pra trás: o ocidente inteiro/ em derrocada”.

O livro começa com uma série dedicada “Às funkeiras” e se divide em duas partes nomeadas com as palavras que formam o título. Em “Quadril”, o corpo afronta os limites do mundo e se mostra: a cintura que a calça não esconde, o “umbigo em sacrifício” no inverno, “tanta raba de fora”. Não resta dúvida de que “a menina está crescendo/ e não há nada/ que possa contê-la”. Em “Queda”, ainda que a música cesse e a dança dê lugar a outras formas de luta, é possível ver como se elabora essa dança para além da dança que é, para as mulheres negras, poder dizer não a tudo que lhes oprime.

A poeta faz vibrar os diferentes ritmos do universo de referências do baile e da vida em torno do baile. Escreve como quem dança, mas também como quem luta, e convoca a avó, a mãe, as mulheres todas da família, da vida, da história: “uma preta, duas pretas, todas/ que são orgulho pra família/ toda, todas com beca e/ diploma/ vingarão”. Sim, aprendemos com Bianca Gonçalves que dançar é vingar. E é só o começo.

Autor

Lilian Sais

“A gente só se afoga quando perde/ a calma” — a voz que recupera essas palavras, ditas num mergulho no mar há muitos anos, é a de uma poeta que acaba de perder o pai e se vê à deriva entre as memórias e sensações que lhe atravessam. Lilian Sais, em Palavra nenhuma, escreve como quem procura se reorientar dentro de si após o baque da despedida. Para lidar com a morte, ela volta ao próprio nascimento, o momento em que o pai lhe deu um nome que termina com “n de navio”. Embarcar nesse vínculo profundo com o pai é o início de uma jornada de afetos em que ela tenta reencontrar e reconstruir a memória da relação entre eles.

Para se orientar, Lilian recupera os presentes que ganhou do pai e conversa com eles ou, por meio deles, com ele, Roberto. Feitos para ajudar a localizar onde estamos no tempo e no espaço — uma ampulheta, um telescópio, uma bússola, um relógio —, agora eles são os instrumentos de aproximação entre o universo perplexo do luto e aquele em que a poeta nasceu, o lugar no qual o pai ficou enquanto Lilian cresceu (aprendeu a nadar sozinha, viajar por aí, ler grego antigo) e ao qual a poeta precisa voltar para encontrá-lo — encontrar-se, no fundo. E não afundar.

A vida não pode ter terminado assim: “palavra nenhuma” que cai como um grão de areia entre tantos que caem na ampulheta. Diante da atendente da funerária, para quem “não tem nada pior/ que uma unha partida”, a poeta tem que responder se o falecido deixa filhos: “eu digo sim/ eu digo eu”. E, assim, no ponto em que a história poderia terminar, ela recomeça. Esses versos que dizem tanto com tão pouco, atando as pontas da vida para manter por perto o que ama, ensinam que é preciso reencontrar esse “eu”, perdido numa “casa/ [em que] nunca falávamos/ das perdas”, sem “palavras/ ditas por inteiro”, agarrando-se a elas como tábua de salvação.

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