Cacto na boca
(novembro 2024)
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Sobre a plaquete
Cacto na boca pode ser lido como um único poema em forma de peça teatral. Ou como uma série de poemas que constroem uma denúncia do teatro intolerável em que a vida se converte. Mas a voz que, aqui, faz do poema um teatro, ergue-se para dizer que se nega a continuar atuando e, mais ainda, a aceitar os papéis a que tem sido relegada pelo “colega branco”, pela “amiga branca” e também pelo “crítico branco”.
O fato de essas figuras serem bem pouco ou nada ficcionais (não demora para que os leitores reconheçam, no palco do poema, seus próprios papéis) explica a urgência da poesia de Gianni Gianni, em que os traços mais instigantes e combativos da produção contemporânea se fazem sentir. “É sempre útil ter um cacto à mão”, ainda mais se lhe couber o papel de “atriz não branca” nessa peça em que vão lhe dizer que não vale gritar, em que sempre aparecerá alguém para lembrar as “regras do jogo”.
São muitos os cactos enfiados goela abaixo. No entanto, os versos de Gianni são a prova de que os cactos engolidos podem se transformar “numa metralhadora de espinhos […] na garganta”. Ou a partir da garganta, mirando alto. A força dessa voz que se constitui pelo acúmulo de incômodos, de violências que a invadem, é impressionante. Aliás, “observa se/ ao te retirares das páginas/ levas espinhos nos dedos”. É certo que levarás.
Esta plaquete é parte da caixa de novembro 2024
- título Cacto na boca
- autor Gianni Gianni
- Formato 13,5 x 20 cm
- Páginas 40
- ISBN 9786561390125
Trecho
CENA II
É confraternização de fim de ano.
Todos bebem, euforia, passam dos limites, pista de
dança, quebram copos.
INT. APARTAMENTO DE CLASSE MÉDIA EM BAIRRO NOBRE — NOITE
amiga branca:
O seu problema é que você não sabe acolher,
você não sabe dar colo às pessoas.
A atriz não branca enfia um cacto na boca.