é perigoso deixar as mãos livres
(fevereiro 2025)
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Sobre a plaquete
Você lembra do exato momento em que poderia ter se tornado outra pessoa? Em que tomar uma decisão diferente inventaria outra vida para você? A voz que nos conduz pelas páginas de é perigoso deixar as mãos livres, de Isabela Bosi, circula pelas muitas bifurcações que nos interpelam durante a vida e faz, nas tramas do poema, um filme estrelado por todos aqueles que, de alguma maneira, decidimos não ser.
Em seus versos calmos e meditados, tudo o que existe — o país em que estão nossos pés reais, a casa em que alguma brisa nos surpreende, esta figuração que chamamos de “eu” — convive com tudo o que poderia ter existido (impossível não ouvir aqui o eco de Manuel Bandeira lamentando “a vida inteira que podia ter sido e que não foi”). A poeta nos lembra que tecemos nossa passagem pelo tempo com fios materiais e imateriais.
Se a vida arrasta o corpo para um caminho, a memória faz com que todos os outros caminhos continuem sendo parte da nossa vida: “o som da turbina naquela/ tarde era como o som da/ turbina em qualquer dia da/ memória não fosse meu corpo/ agora outro dentro dessas/ roupas”. Bosi nos coloca num outro corpo, num outro continente talvez, em que crianças que não nasceram correm ao nosso redor. Espreita-nos, nos versos, a solidão da pessoa que não chegou a existir. É possível sentir o cheiro de um mar que só existe entre lembranças vagas, e até mesmo “os pelos do braço em contato/ com a saudade”.
Os leitores de poesia sabem que as palavras são capazes de nos fazer viver outras vidas — assim como permitem viver de outro modo esta mesma vida. Nos versos de Bosi, alguém escava a memória para revelar os outros alguéns soterrados sob seu nome, porque não aceita que viver seja apenas ajustar-se à “vida condensada/ neste agora frágil”.
Esta plaquete é parte da caixa de fevereiro 2025
- título é perigoso deixar as mãos livres
- autor Isabela Bosi
- Páginas 40
- ISBN 9786561390521
- Formato 13,5 x 20 cm
Trecho
às vezes penso
quem teria sido
se tivesse ficado lá
naquele verão sem
fim distante quantos
anos? penso nela
essa que teria sido se
tivesse decidido ficar
trocar de língua profissão
sonho passar as tardes
num parque aos domingos
sentir saudade da outra
que voltou que decidiu
não ficar que comprou
mala livros roupas e voltou